A cicatriz de Francesco Leonardo

Autor: Rodolpho José Del Guerra

Depois do lançamento do meu livro sobre a saga dos imigrantes italianos em São José, muitos se lembraram de histórias adormecidas, acordando-as: histórias que têm como cenário a cidade e o campo.

Meu vizinho octogenário, Domingos Cerávolo, contou-me um fato interessante, ocorrido em 1889, tendo como personagem seu primo, ainda criança, Francisco Leonardo Cerávolo, que morreu em Muzambinho, há algum tempo, com cem anos, conservando, ainda, a cicatriz de um ferimento na sua testa..

Na tarde de 10 de agosto de 1889, a estação da Mogiana e a praça Tiradentes estavam lotadas de autoridades e povo, esperando o líder e atuante político, candidato a deputado geral do Partido Republicano, Francisco Glicério, que vinha pregar o ideário republicano aos rio-pardenses, devendo seguir para Mococa.

O trem apitou na curva do rio, perto da usina de luz e força, e diminuiu sua marcha, entrando triunfante na estação. As bandas tocavam e as bandeiras desfraldadas coloriam a tarde.

As crianças, brasileiras e italianas, qua se sufocadas no meio da multidão, queriam ver o ilustre Glicério, que descia do vagão especial, trajando casaca e cartola. O barulho era ensurdecedor: palmas, gritos, música, rojões…

Os foguetes explodiam no alto. Uma das varas, ao cair, ficou espetada profundamente entre a pele e o osso da testa do pequeno Francesco Leonardo. O sangue jorrou. Dr. Álvaro, que estava próximo do garoto assustado, o socorreu, levando-o ao seu consultório para desinfecção e sutura. A seguir, no seu trole, o deixou na marcenaria do pai, Domenico Cerávolo, na Marechal Deodoro.

A pé, o povo acompanhou o ilustre visitante ao Hotel Brasil, onde lhe seria oferecido um banquete e pernoite.

O candidato e a cúpula do Partido Republicano ficaram sabendo do ferimento do garoto, que por pouco não o cegou, resolvendo recompensá-lo pelo incidente: ofereceram-lhe uma bolsa de estudos, em boa escola rio-pardense, até terminar o curso primário.

Naquela noite, depois do banquete, os praças da cadeia local, respeitando as ordens monárquicas do delegado e do presidente da Câmara, invadiram o Hotel Brasil, ajudados por monarquistas civis, e fizeram um quebra-quebra, ferindo hóspedes.

O povo se revoltou e tramou, naquela noite, a invasão e tomada da Prefeitura, que abrigava os três poderes monárquicos: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Os fazendeiros trouxeram de suas fazendas os colonos armados…

Na manhã do dia 11 de agosto de 1889, o povo, diante da banda que tocava a proibida e revolucionária Marselhesa, invadiu a Prefeitura, prendendo o presidente da Câmara, Saturnino Barbosa, e o subdelegado, José Honório de Araújo. Retiraram da parede o retrato de D. Pedro II e hastearam, pela primeira vez no Brasil, a bandeira de Júlio Ribeiro, com as treze listas, que seria a bandeira de São Paulo. E proclamaram a República, três meses antes de Deodoro…

No dia seguinte, 12 de agosto, o presidente da Província enviou para nossa cidade 40 praças da cavalaria, que chegaram em trem especial… E tudo voltou ao normal na provinciana e revolucionária S. José, que recebeu, dois anos depois o honroso título de “Cidade Livre do Rio Pardo”…

Mas nosso Episódio Republicano é uma outra história já contada nesta coluna.

O menino Francisco Leonardo cresceu, mudou-se para Muzambinho, onde foi um benemérito, carregando sempre, na testa, a cicatriz histórica, marcada na véspera da Proclamação da República rio-pardense.

29/ 9/ 1999.

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